Há uma ideia generalizada, entre muitas empresas multinacionais que comunicam os seus produtos e serviços em Portugal a partir de fora, de que os portugueses são uma espécie de poliglotas incríveis – uns desenrascados (palavra intraduzível mas que eles percebem o que significa) que compreendem tudo. Especialmente quando comparados com os seus vizinhos espanhóis… A partir desta ideia enviam para os media “coisas” em Inglês, em Espanhol – ou até mesmo em Português do Brasil – na esperança secreta de que “é a mesma coisa” do que enviar no idioma local e que, mesmo que não seja, pouparam tempo e dinheiro ao evitar a tradução e adaptação. Claro que esta ideia tem um fundo de verdade: os portugueses são efetivamente uns desenrascados no que diz respeito a entenderem e fazerem-se entender noutro idioma que não o seu. Seja qual for a razão – as explicações habituais vão desde ao hábito de legendar filmes e séries em vez de “dobrá-las” até ao facto de sermos “uns tipos simpáticos que se esforçam por agradar aos estrangeiros” – existe efetivamente bem mais do que apenas um fundo de verdade nesta forma de pensar. Contudo, uma coisa é os Portugueses terem facilidade em entender e fazer-se entender noutras línguas que não a sua. Outra, muito diferente, é esperar que jornalistas e bloggers tratem da mesma forma a informação que lhes chega num outro idioma que não o seu. Não porque não entendam o que lá vem escrito, mas porque é muito mais simples e rápido poderem usar diretamente o texto em Português numa notícia ou artigo do que terem de o traduzir primeiro. Num mundo em que os recursos das redações fossem ilimitados e, ao mesmo tempo, as fontes de informação escassas, esta estratégia provavelmente funcionaria. Lembro-me dos fantásticos “press kits” (com fotos a preto-e-branco em papel e diapositivos a cores!) que nos anos 80 e início dos anos 90 recebia pelo correio, enviados por multinacionais da área da informática – todos em Inglês, claro! – e de como os tratava como ultra-preciosa fonte de informação que não poucas vezes conseguia fazer “render” durante semanas ou até meses.
Mas isso era antes e isto é agora: nas redações há menos tempo e menos recursos para tratar uma enorme e crescente torrente de informação que chega diariamente e compete pela atenção do jornalista e do espaço disponível. Neste contexto, tudo o que uma empresa (e, por arrasto, a agência de comunicação que com ela trabalhe) possa fazer para simplificar o trabalho aos jornalistas é meio caminho andado para garantir a sua atenção. E mesmo que todas as outras peças estejam no lugar (uma boa história, um bom produto, boas fotos), se o conteúdo não estiver traduzido e adaptado à realidade local só muito dificilmente conseguirá competir pela atenção que certamente merece. Uma Google, uma Apple, uma Microsoft, conseguem certamente o mesmo tipo de exposição sem tradução dos seus press-releases (e, mesmo assim, na maioria dos casos não o fazem), mas não há muitas mais empresas que possam gabar-se de poder fazer o mesmo. A conclusão? Só uma: da próxima vez que achar que está a poupar tempo e dinheiro enviando informação a um media português num idioma diferente, pense outra vez. Os comentários estão fechados.
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AutorAntónio Eduardo Marques é o fundador da AEMpress. Arquivo
Julho 2024
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